Ex-guerrilheiro, ex-preso político e ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica foi uma figura que chamou atenção até de quem não sabia onde ficava o Uruguai no mapa. Tinha tendência a falar exatamente o que pensava, surpreendeu o mundo com seus discursos anticonsumismo e quis manter, até o fim, uma vida simples, da qual se orgulhava.
José Mujica se consolidou como um ícone da esquerda latino-americana, mas gostava de dizer que, acima de tudo, era um fazendeiro e amante da natureza. Ele morava numa pequena propriedade, nos arredores de Montevidéu, capital do Uruguai. Uma casa simples de onde Mujica não saiu nem durante o período em que esteve à frente da presidência do país, de 2010 a 2015.
Em entrevista à TV Brasil, em 2013, Mujica falou sobre os benefícios da vida sem luxos: “Minha casa é de três cômodos: dormitório, uma cozinha, uma sala e um banheiro. Não tenho empregada, ninguém que me ajude. Então, eu posso me levantar de cueca à noite, ir ao banheiro. Não tenho nenhum confronto com ninguém. Com poucos equipamentos. Não por pobreza. Não é ser pobre. É ter maior margem de tempo para fazer as coisas que nos motivam. Ser rico em tempo”, contou ele.
Conhecido por muitos uruguaios pelo apelido de Pepe, além de não ter mudado de casa, Mujica não trocou de carro quando assumiu o poder. Era um apaixonado por fuscas. Enquanto esteve na presidência, doou quase todo o salário para financiar obras sociais.
Por causa do estilo de vida humilde, foi chamado de "presidente mais pobre do mundo". Se orgulhava do título. As atitudes dele geraram até uma certa desconfiança no início, mas o jeito de Pepe colocou o pequeno Uruguai no mapa.
“A questão do poder é muito escorregadia. Há centros dominadores, mas o pior é o que está incrustado na cultura. São mais fáceis as mudanças materiais que as mudanças culturais. E se não muda a cultura, no final, não muda nada”, disse Mujica à TV Brasil.
Dizia que os governos de esquerda na América Latina falharam. Conseguiram transformar os pobres em bons consumidores, mas não em cidadãos. Os discursos anticonsumismo surpreenderam o mundo.
Ao Projeto Human, em 2015, o ex-presidente disse que não fazia apologia à pobreza, mas, sim, à sobriedade. “Ou você é feliz com pouco, com pouca bagagem, pois a felicidade está em você, ou não consegue nada. Isso não é a apologia da pobreza, mas a apologia à sobriedade. Mas inventamos uma sociedade de consumo e a economia tem que crescer, porque, se não cresce, é uma tragédia. Inventamos uma montanha de consumos supérfluos. Compra-se e descarta-se. Mas o que se gasta é tempo de vida”, defendeu o ex-presidente.
As declarações a favor da vida simples fizeram dele um personagem muito querido nas redes sociais. Os pensamentos progressistas de Mujica o levaram várias vezes às manchetes. Durante sua presidência, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e a maconha foram legalizados. O Uruguai foi, inclusive, o primeiro país do mundo a liberar a produção e o uso recreativo da maconha.
No ano ado, com quase 90 anos, sentado à mesa de sua cozinha, Mujica falou sobre as mudanças climáticas. Disse que a nossa civilização é formidável em sua capacidade técnica e científica, mas sem nenhuma direção política.
“Não falhou a ciência. Falhou a política que não recorreu aos conselhos da ciência e os transformou em decisões políticas de acordo com as recomendações da ciência. Não se pode ser tão arrogante”, pontuou.
Um homem excêntrico, que gostava de falar o que pensava. “O problema é que o mundo é dirigido por pessoas idosas, que se esquecem de como eram quando jovens”, disse inconformado.
Pepe tinha uma filosofia de vida que inspirava quem o ouvia. Eram palavras que carregavam ação e exemplo.
“Quando eu compro algo, ou você compra, não pagamos com dinheiro. Pagamos com o tempo de vida que tivemos que gastar para ter aquele dinheiro. Mas tem um detalhe: a única coisa que não se pode comprar é a vida. A vida se gasta. E é lamentável desperdiçar a vida para perder a liberdade”, foi contundente.
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